sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

... and God bless Rio de Janeiro

Os traficantes cariocas resolveram sair do armário. Entre os dias 21 e 25 de novembro incendiaram 70 veículos, 26 ônibus e atacaram cinco cabines da PM. Segundo a versão oficial os ataques seriam uma reação às Unidades de Polícia Pacificadoras. A única prova disso foi um bilhete mal escrito em que supostamente Marcinho VP dizia para sua mulher que “os amigo” estão sofrendo com as UPPs e que uma reação era necessária. E ponto. Não havia um só grampo, uma entrevista, nada mais que legitimasse a versão. A própria Justiça Federal disse não saber quem ordenou os atos. Mas àquela altura não importava mais.


A opinião pública comprou com um sorriso de orelha a orelha a versão oficial vendida pela mídia. E deu seu show particular. Ignorâncias como “terror”, “guerra civil” e “estado de sítio” (dá vergonha só de escrever) caíram no gosto popular. Direitos humanos e xingar a mãe do vizinho passou a ser a mesma coisa. De joelhos, a sociedade mostrou a face burra de quem compra sem pensar o que a mídia diz e a face hipócrita de quem orgulhosamente aponta o fortalecimento da democracia, mas no primeiro sobressalto defende o vale-tudo para preservar seu carro na garagem e sua ida ao cinema. De joelhos, a opinião pública passou a rezar pela salvação.


E ela veio do Estado, que sorriu de orelha a orelha. Ovacionada pela sociedade, a secretaria de segurança comandou uma tropa de mais de 500 policias, 88 fuzileiros navais, nove veículos de guerra e quatro Caveirões, que tomaram brincando a Vila Cruzeiro, no dia 25/11. Três dias depois aproximadamente 20 mil homens, segundo as estatísticas oficiais, invadiram o Complexo do Alemão. As ações, embora necessárias, dificilmente seriam apoiadas de forma tão unânime por opinião pública, governo federal e exército caso não fossem precedidas pelo “terror” dos “inimigos do estado”.


O padrão dos acontecimentos me lembrou muito a armação do 11 de setembro. Também naquela ocasião, um ataque sem precedentes deixou a opinião pública de joelhos. A versão oficial foi que os ataques seriam uma reação “dos amigo” de Alá à política ocidental no Oriente Médio. A única prova disso foi um vídeo mal feito em que um suposto Osama Bin Laden assumiu a autoria de tudo. E ponto. Valendo-se desta versão, nos anos seguintes o governo dos EUA aboliu silenciosamente muitos direitos individuais da sua população e invadiu o Afeganistão e o Iraque. No fim das contas, o “terror” beneficiou as “vítimas”, ou seja, o governo dos EUA. E com o passar do tempo vai ficando claro que “vítima” pode ser lido como “autor” ou no mínimo como “beneficiado”, e que foi tudo um grande teatro para possibilitar ações enérgicas do governo.


O Rio de Janeiro viveu na semana passada seu 11 de setembro. Uma história mal contada, abraçada com tudo por uma opinião pública hipócrita e acéfala, possibilitou uma ação sem precedentes do Estado. Não tenho idéia de quem ordenou os ataques “terroristas” dos traficantes, mas tenho certeza de que a versão oficial envolvendo as UPPs é história pra boi dormir. O Estado e as autoridades envolvidas no episódio ganharam muito com tudo isso para não terem parte nenhuma nos bastidores. E os traficantes perderam demais, e era óbvio que perderiam, para quem foi mandante. Nossas torres gêmeas foram os veículos queimados, a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão, o Afeganistão e o Iraque e Marcinho VP e Elias Maluco os nossos Bin Ladens. Nosso 11 de setembro foi, afinal, uma bênção para a cidade. And God bless Rio de Janeiro.

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