quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Nossos cangurus


O flanelinha é a praga-síntese do Rio de Janeiro, o animal típico da nossa cidade. Ele sintetiza o que temos de pior, sendo, portanto, perfeito reflexo de seu habitat natural.


Estes “profissionais” são acima de tudo criadores de impostos. E o que nós amamos mais do que isso? Vivemos numa nação em que 30% daquilo que cada cidadão produz é sugado pelo Estado sob forma de tributo – uma das taxas mais elevadas do mundo. Engana-se quem pensa que a moda é passageira: já em 1534 D. João III estabeleceu que 20% do ouro extraído do Brasil para Portugal seriam da coroa... um inusitado imposto sobre algo que só seria descoberto quase 200 anos depois! Os flanelinhas apenas dão sequência a essa honrosa tradição, criando um simbólico imposto de “cinco real ai, colega” para que você pare o carro.


Outra prática a que o flanelinha apenas dá sequencia é a de apropriação privada do espaço público. O historiador Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (1936), já destacava a dificuldade do brasileiro em separar as esferas da casa (o próprio) e a da rua (de todo mundo). O carioca não agüenta ver uma calçadinha sem dono que já vai metendo a mão. Os camelôs montam uma barraquinha, o outro sujeito vende cachorro quente, o mendigo maluquete arma uns papelões e começa a chamar de “minha casa” ou um bar coloca umas mesas pros fregueses. Seja lá de que forma for, o espaço comum não é de todo mundo, mas de ninguém, à espera do primeiro espertinho que virá se apossar dele (assim como ocorre com o dinheiro público). O flanelinha é o que toma para si o fillet mignon das vagas, se achando em plena autoridade de fazê-lo.


Talvez mais impressionante do que esse fenômeno da “flanelagem” seja o fato dele sobreviver sem ser incomodado. A população instruída aceita passivamente ser roubada de pouco em pouco por esses “profissionais” a cada vez que estaciona. É a mania da classe média carioca covarde de se abster dos assuntos públicos, o mesmo deixa-pra-láismo que permitiu, por exemplo, a explosão do tráfico e da violência bem debaixo do seu nariz.


A espécie dos flanelinha é “nascida e criada” na cidade maravilhosa porque aqui encontra as condições ideais para tal. É um subproduto das nossas manias de criar impostos e de se apropriar do espaço público. Pior do que isso, só sobrevive porque a gente acha melhor não incomodar, como se não fosse nosso dinheiro indo para o ralo. Cada lugar tem o animal típico que merece: a Austrália tem o canguru, a Ásia o tigre, a África o leão e o Rio de Janeiro o flanelinha.

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