sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Ei, você ai, me dá um jeitinho ai!


No começo do ano, quando o “choque de ordem” reprimiu as ilegalidades muito ilegais no Rio, o “puxadinho” do bar Espelunca Chic, na Gávea, foi demolido. Não demorou e uma multidão reclamou da ação da Prefeitura, alegando inclusive que a irregularidade já fazia parte do bairro. Na mesma época foi derrubado um edifício ilegal na Rocinha, chamado de "Minhocão", o que também despertou a ira dos moradores locais: “Nós nunca temos nada e quando conseguimos alguma coisa eles vem tirar”, afirmou uma moradora. Nesta semana uma blitz na Zona Oeste rebocou carros com documentação irregular, e um motorista infrator afirmou: “Moro em São Gonçalo e vim até aqui trabalhar. Agora fiquei sem carro. Como vou voltar para casa?!”.

O que esses três episódios tem em comum? Simples: Todos são expressões genuínas da ignorância do brasileiro quando o assunto é o cumprimento da Lei.

A primeira Constituição brasileira foi outorgada por Dom Pedro I em 1824. Incrivelmente, 185 anos e seis Constituições depois ainda não entendemos o que é uma Lei. Como é possível alguém que está ilegal reclamar por ser punido? O discurso tradicional de que “o povo não tem escola e não sabe a diferença entre Carolininha de Sá Leitão e caçarolinha de assar leitão” até ajuda a explicar a ignorância. Porém, como aceitar que a classe média alta tenha se indignado com a demolição do puxadinho ilegal do Espelunca Chic da Gávea? Como explicar o fato de alguém instruído defender a bandalheira argumentando que ela já faz parte do bairro há mais de 20 anos? Quer dizer que se eu bato na minha mulher há 20 anos a agressão é tradicional e não deve ser questionada?

O problema do brasileiro não é apenas a falta de educação, mas também a crença de que o Estado é um pai. O governo, na verdade, é o exato oposto da figura paterna: enquanto a esta cabe cuidar, dando atenção diferenciada e satisfazendo nossos desejos, aquele estabelece regras gerais e cuida para que elas sejam igualmente obedecidas por todos, de maneira formal e impessoal, sem privilegiar ninguém.

Ai está a dificuldade do brasileiro. Como ele vê o Estado como patriarca, acredita que deve ser servido por ele, nunca desfavorecido. Como é obviamente impossível que todo mundo seja plenamente atendido em seus interesses, o "desfavorecido" não apenas se sente indignado quando “se dá mal” como se vê no direito de transgredir o Direito.

A equação, é claro, não fecha: se 99,9% dos brasileiros acreditam que a Lei só deve ser dura no quintal do vizinho, impera o quem-roubar-primeiro-ganha. E quem é o primeiro que pode roubar? O político, que tem poder e conhece o funcionamento da máquina. Ai a sociedade corrupta exime-se de culpa alegando ser essa classe "o" problema, dorme com a consciência tranqüila e acorda na mesma merda de país.

A cultura de não respeito à lei é generalizada. O político reclama do político que rouba, mas também rouba. A dona Maria reclama do político que rouba que reclama do político que rouba, mas não aceita que o prédio ilegal que está construindo seja demolido. O seu José reclama do prédio ilegal da dona Maria, mas questiona que seu carro irregular seja rebocado. No fim das contas, o problema não é a Lei, não é a falta de ensino, não é o político, não é a dona Maria e nem o Seu José: é o brasileiro, que acha que o Estado é o seu pai.

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